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Brasil Afora: Duque feminino disputa Libertadores em nome do 'paizão'



Um homem, dez mulheres. Atrasos em nome da vaidade, contas de supermercado altíssimas, controle de namorados. Vida de pai tem dessas coisas. Mesmo que a paternidade não esteja registrada em cartório. Para manter o projeto do time feminino do Duque de Caxias, Edson Galdino “adotou” jogadoras em sua própria casa, pagando cerca de R$ 3.500 pelas despesas mensais, quase 100% de seu salário, e penhorando bens. Realidade bem diferente da vivida pela equipe masculina, que, mesmo com orçamento maior e patrocínios, está matematicamente rebaixada para a Série C do Brasileirão.

O casamento de sete anos do técnico acabou, mas o sonho voou longe. No próximo domingo, às 12h15min, a equipe, campeã da Copa do Brasil de 2010, estreia na Libertadores contra o Sport Girls, do Peru, e o objetivo das meninas é um só: conquistar o título para o “paizão”.

Em casa, sou o pai. No campo, sou o professor. Já ouvi me chamarem de Capitão Nascimento (personagem do filme "Tropa de elite"), mas só prego a disciplina. Tem que estudar, cumprir com as tarefas domésticas e vir treinar. Se sair de noite e chegar depois do horário que eu mandar, não deixo mais entrar. Fica na rua. Elas sabem disso. Uma vez uma delas chegou para morar comigo e falava muito palavrão. Disse que, se falasse de novo, lhe daria um tapa na boca. Falou, e dei. Funcionou, sem trauma. Tem que ser assim, senão não funciona. É muita mulher no mesmo lugar, e eu sou um só - disse o técnico, que teve sua história de vida contada em um documentário de uma produtora alemã, ainda sem data para estrear, chamado “República das meninas”.

No futebol há 27 anos, Galdino conta que soma 183 títulos. Começou o projeto no Duque em 1999, quando, em um congresso, teve a ideia de montar um time feminino. Em apenas cinco dias, recrutou 32 meninas. Pelas suas mãos já passaram jogadoras de Seleção Brasileira, como Maurine, vice-campeã pan-americana agora em Guadalajara, e Kelly, medalhista de prata nos Jogos Olímpicos de Atenas-2004, que permanece em seu time e em sua casa. O sonho de chegar longe com as meninas não diminuiu nada, apenas cresceu com a chance da Libertadores.

Estamos nos preparando muito para isso. Se fosse no Rio de Janeiro, tínhamos 98% de chances de sermos campeões. Como é em São José dos Campos, e o time local e o Santos (atual dono do título) jogam, fica mais difícil. Mas acredito muito na minha equipe – afirmou Galdino.

No início, o time não tinha salário nem benefícios. Hoje, o clube paga uma média de R$ 700 para as jogadoras, mais carteira assinada e vale transporte. Galdino acredita que ainda não é o ideal. O técnico conta que a luta é diária para manter o projeto e valoriza cada passo conquistado, contando seus “causos do professor”.

Quando estávamos disputando a Copa do Brasil no ano passado, tivemos de viajar para jogar, e o transporte era terrestre (NR: Quando necessita de aéreo, a CBF paga as despesas). Tive que ouvir: “Vai de jegue.” Quando chegamos na final contra o Foz do Iguaçu, entramos no estádio com o locutor gritando que o time de lá já era o campeão. Perdi atletas por lesões, não tinha banco de reservas. Uma das principais jogadoras estava com a clavícula quebrada. Passei uma mistura de gemas de ovos com outras coisas na véspera. No vestiário, pedi para ela tirar a proteção e levantar o braço. Ela conseguiu, foi para o jogo, arrebentou e fomos campeões. É assim. Só no milagre – contou.

A rotina do time não é fácil. No campo, há treinos todos os dias da semana, com turnos duplos em dois dias. Na casa - ainda em fase de construção, com a ampliação de quartos privativos para as meninas -, há uma escala na parede de tijolos do corredor da sala de estar, com a divisão de tarefas domésticas de cada uma. Ainda tem a cobrança pelos estudos e pela educação de Kelly, Karen, Renata, Caneca, Valdinéia, Dai, Fabiana, Dulcinéia, Laiane e Bárbara. suas "filhas". As demais, com média de idade de 19 anos, moram cada um em suas casas separadas, mas também não deixam de serem cobradas pelo professor.

- Isso aqui é uma passagem. Elas têm que entender que precisam de uma profissão para quando não puderem mais jogar. Temos formadas em nutrição, educação física, técnicas em segurança de trabalho. Precisa ter continuidade – afirmou.

Na casa de Galdino, há meninas de diversos estados. Todas foram vistas pelo técnico em amistosos ou indicadas para ele por olheiros. Chegaram ao Rio de Janeiro com um ideal de serem jogadoras de futebol em um país que ainda luta contra o preconceito.

- Já ouvi muita coisa de gente que não entende como uma menina pode querer jogar futebol. Mas agora fecho os ouvidos. Temos até torcida dos meninos do clube. Eles sabem que a gente trabalha sério aqui. Não conheço direito o time masculino do Duque, só pela televisão, já que treinamos em locais diferentes. Mas até que dá um gostinho a mais saber que o clube agora está bem representado pelas mulheres – disse Flaviele, lembrando que todos os amistosos do time são contra equipes masculinas.

A meia, que tem o apelido de Caneca, é natural de Itumirim, município mineiro que fica a 248km de Belo Horizonte, e está no Rio de Janeiro há seis anos. Ela é um dos exemplos para o técnico-pai. Formada em nutrição, é a responsável pela cozinha, com quitutes que fazem as outras meninas pedirem sempre mais. Porém, a mordomia pode estar com os dias contados.

- Namoro há cinco anos. Pretendo casar em breve. Por isso, vou ter que sair de lá. Quero construir minha casa perto delas, mas não vai dar para ficar cozinhando todos os dias como faço hoje (risos) – brincou.

Caneca pode seguir os passos de Valdeir. Atual auxiliar técnico de Galdino, ele foi o primeiro “adotado” pelo treinador. Passou por muitos clubes brasileiros e até europeus, antes de se aposentar pela Portuguesa, em 2010, e retornar para o projeto do Caxias. Hoje, é casado e tem sua própria casa, mas reconhece que sua vida seria muito diferente sem a ajuda do passado.

- Cheguei da Bahia com 13 anos. Sem dinheiro, não tinha como ficar. Ia embora. Então, ele me acolheu, me deu condições de terminar o segundo grau na escola. Cresci com ele. É um pai que eu nunca tive – disse.

Como todo pai, Galdino quer deixar seu legado para um filho. Como seus legítimos – são seis – não podem assumir seu projeto, ele pretende passar o bastão para Valdeir, que assumirá como técnico. E já no próximo ano.

Preciso me aposentar. Não dá mais. Cuidar do nosso filho já é desgastante, imagina cuidar do dos outros. Vai me dar uma tristeza sair daqui, porque fui eu que criei tudo isso. Mas uma hora isso tinha que acontecer – afirmou o técnico.

Kelly, uma das jogadoras mais experientes do time, não acredita que isso vai acontecer.

- Ele pode se aposentar como técnico, mas não como pai. Vai sentir muita falta. Não vai conseguir. É a vida dele – disse Kelly.

Galdino garante que comanda o último treino em 2012. Já a última palavra na casa das meninas não sabe quando vai dar. Afinal, pai é para sempre.
Fonte Globo Esporte

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